No escritório às 19.30...
Chefa da C.: Ontem saí daqui às 11 da noite, eu tenho que me ir embora... Daqui a nada os meus filhos matam-me. Já nem nunca os vejo!
C.: Daqui a nada não tenho filhos nunca.
E não, não é que o meu relógio biológico esteja a acelerar nem nada que se pareça, mas facto é que cada vez que penso na vaga e distante possibilidade de ter filhos, gela-se-me o sangue nas veias. A minha chefe tem 60 e poucos anos, e com a distância que a passagem dos anos garante, acha que até era mais difícil ter filhos lá em mil-novecentos-e-troca-o-passo quando ela os teve. Já nem discuto isso com ela, porque o pior cego é mesmo o que não quer ver. Para além dos salários baixos mesmo para quadros técnicos e especializados, as taxas de juro altíssimas, os infantários, creches e colégios mais caros que faculdades privadas e o trânsito louco que consome cada vez mais horas do dia, ainda temos que lidar com novas realidades sociais, como não ter avós onde deixar os putos porque as avós de hoje-em-dia trabalham como nós. Pergunto-me como é que a classe média se conseguem aguentar com um ou mais filhos - sim, porque para quem tem dinheiro a situação está até cada vez mais fácil. Na grande maioria dos casos, com grande espírito de sacrifício, não só por parte dos pais mas também dos filhos, que nem sequer sabem o que é que estão a perder. Ficam na creche das 8 e meia da manhã até às 7 e tal da noite ou até que a mãe ou o pai os consigam ir buscar, e depois quando chegam a casa têm que aturar dois progenitores que sem dúvida só os devem querer enfiar na cama entre dois berros acumulados do dia passado a ouvir berrar o patrão, para ver se finalmente têm algum sossego e descanso.
Perdoem-me (ou não), mas para mim isto não é vida. Podem repetir-me até à exaustão que o amor dos filhos e de um companheiro acertado fazem tudo valer a pena, mas por enquanto pelo menos não me conseguem convencer. Tanto por mim como pelos filhos que se calhar nunca terei.