Do outro lado da barricada
Apesar de passar noventa por cento da minha vida a atender pessoas lá na loja do inferno, de vez em quando também sou atendida. Ou seja, de vez em quando também tenho histórias para contar do ponto de vista de uma pessoa comum e normal. Como por exemplo esta que se segue, num restaurante de fast food qualquer de um centro comercial enquanto tento jantar com o A.:
São treze euros, por favor, diz-nos o assistente de loja.
Tome, tem aqui uma nota de vinte euros e mais três euros, para facilitar, diz o A., cheio de boa fé.
O assistente olha para o dinheiro, olha para a caixa, olha para o dinheiro, olha para a caixa...Os senhores deram-me dinheiro a mais, diz-nos.
Basta dar-me uma nota de dez euros, diz o A., continuando cheio de boa-fé.
O assistente olha para o dinheiro, olha para a caixa, olha para o dinheiro, põe a nota na caixa, deixa as moedas de fora, diz não tenho moedas, e prepara-se para abandonar a caixa em busca do troco.
Mas não tem uma nota de dez euros, pergunto eu, que de boa-fé não tenho nem um pingo.
Tenho, mas os senhores deram vinte euros e treze cêntimos, e eu não tenho troco, diz-nos o assistente.
Como?, respondemos nós.
Sim, vinte euros e treze cêntimos, diz-nos ele novamente a apontar para a máquina, vocês deram-me vinte euros e treze cêntimos e está aqui escrito.
Eu por momentos achei que ele tivesse inventado uma nova maneira de contar (à francesa, sabe-se lá), e o André resolveu dizer que não, nós demos-lhe vinte e três euros.
Não, deram-me vinte euros e treze cêntimos, insiste ele.
E eis que eu perdi por completo a paciência, tirei uma moeda de cinquenta cêntimos do montinho que perfazia três euros e perguntei, desculpe lá, mas se só esta moeda vale cinquenta e ainda tem aí mais umas quantas como é que podem estar aqui treze cêntimos?
Pois, não sei, mas foi o que os senhores me deram, foi o que ele resolveu dizer.
Como eu não estava a acreditar no que estava a acontecer resolvi virar-me para o colega dele e dizer-lhe por amor da santa ajude-me e explique-lhe porque eu já não aguento.
Acho que eventualmente o outro conseguiu explicar-lhe o que é que se passava, eu é que não sei como porque entretanto não me consegui conter mais e desatei a rir mesmo na frente dele, e eu sei que fui mal-educada e que a minha refeição vinha toda cuspidinha, mas foi mesmo mais forte do que eu.